Também isto passará.
Há algo na passagem do tempo que nos escapa.
É como se vivêssemos acreditando que certas coisas durarão para sempre: o calor de um abraço, a presença de quem amamos, a força de um sentimento, a nitidez de uma lembrança.
Mas os meses seguem, silenciosos.
E, sem pedir licença, as estações mudam.
O primeiro mês do verão chega com promessas, mas passa.
O segundo mês pulsa com intensidade, e também passa.
O terceiro mês começa a despir o calor e anunciar que nem tudo floresce o tempo todo.
Depois, vêm os ventos de outono, e, quando nos damos conta, já chove e refresca.
As folhas caem.
Os dias escurecem mais cedo.
E o que parecia eterno começa a esvaziar-se diante dos nossos olhos.
Também os sentimentos se transformam.
O amor que parecia inabalável encontra silêncios.
As dores que pareciam insuportáveis começam a se dissolver, gota a gota, na rotina.
Até o luto que parecia que jamais partiria, um dia abre espaço para uma saudade quieta, que deixa de arder e começa a iluminar.
A vida é feita dessas passagens.
De ciclos que se encerram.
De portas que se fecham sem aviso.
De presenças que se tornam ausência.
De ausências que, de tão fundas, atravessam o tempo e nos tornam outros.
Houve um dia em que eu quis voltar e contar tudo.
Quis narrar minhas dores e aprendizados, meus invernos pessoais e os pequenos brotos de esperança que nasciam mesmo no frio.
Quis dizer que doeu crescer longe, mas que sobrevivi.
Mas quem esperava por mim já havia partido.
Atendida por um chamado maior.
Levada por uma força que não se explica, só se sente.
E então aprendi, de forma crua e sem anestesia, o que tantas vezes li nos livros sagrados, nos poemas antigos, nos sussurros da alma:
- Também isto passará.
Passam os meses.
Passam as flores.
Passam as dores.
Passam os amores.
Passa o medo.
Passa a esperança.
Passa o tempo em que pensamos que temos tempo.
Mas há algo que não passa.
Algo que permanece mesmo depois da última estação.
Algo que resiste à morte e às ausências:
o amor que foi vivido com verdade.
Esse, não importa quantos invernos venham, renasce.
Na memória.
Na pele.
Nos gestos herdados.
Nos nomes sussurrados em oração.
Nas folhas novas que brotam onde antes tudo parecia seco.
Há impermanência em tudo.
É preciso coragem para viver com consciência de que tudo é provisório.
É preciso delicadeza para olhar para alguém e, mesmo sem dizer, pensar:
- Eu te amo agora, porque não sei até quando poderei.
Que a gente viva como quem sabe que a flor não dura o ano inteiro.
Que a gente ame como quem sabe que o momento é sagrado.
Que a gente aceite que, sim, tudo passa.
Mas que, enquanto dura, é tudo.
E, quando a vida parecer insuportável,
quando o vazio for maior que o entendimento,
quando o frio parecer não ter fim,
que uma voz sutil, do outro lado do tempo, diga com doçura:
- Calma! Também isto passará.
Poema em prosa, à jeito de ensaio, de Leila Matheus Medeiros.
Narrativa motivada/inspirada num ‘visionamento incidental’ do filme “También esto pasará”, da realizadora Maria Ripoll [2025 | 1h36’ | ES].
Leila é uma cinéfila assídua do projeto Conversas com Cinema© da PROSA, conversas estas que muitas vezes acaba com a compreensão das nossas ‘identidades narrativas’: Leila e a protagonista deste filme passaram por experiências muito parecidas nestas recentes semanas e a ‘auto escrita’ foi um dos dispositivos que Leila encontrou para progredir na sua própria história.
Filme no IMDB: https://www.imdb.com/title/tt32368095/