Oficina Rizomática…
1. PALAVRA-SEMENTE
2. PALAVRAS-REDE
3. TRÊS PALAVRAS
4. LEITURAS LIGADAS
Todas as madrugadas, eles perscrutam o céu com atenção. Se as formações nubladas não anunciam tempestade, todos percorrem o mesmo trajeto, pisado ao longo dos anos por pais, filhos e avós, pela entrada do areal, para chegar ao cais. Em grupos de 3 ou 4 empurram os barcos, saltam a bordo, soltando as amarras, largando para o mar alto. Todos os dias, na sua ausência, elas preparam o almoço, limpam as crianças, remendam os vestidos, passam os panos. E vão soltando olhares apoquentados às nuvens, tentando ler o céu e o futuro próximo. Ao pôr do sol, quando eles voltam (e geralmente voltam), o corpo delas sossega com a sua presença. Não dizem nada, mas a qualidade do tempo muda. Há um alívio que não se diz, mas que ilumina a mesa do jantar, como um espectro. Mais um dia que pode passar ao seguinte.
Ana Mourão
16/11/2025
Sou ausência diante do mar.
Sou presença diante do mar.
Sou o trajeto entre a ausência e a presença do que sou.
Na ausência, sou o teu espectro.
Na presença desta saudade que me convocas, recordo o amor que senti
e deixo-o cruzar, ferir, chocar o amor que sinto hoje
pelo ser que tu foste.
Evocas o mar — sempre — na maré desta paisagem emocional.
Vejo-a porque me colocas diante deste ecrã:
o ecrã da tua gravura rupestre,
a tua silhueta que, diante de mim, se projeta,
transformando-se no ecrã do filme,
onde cada detalhe e cada desvanecimento
arriscam dizer aquilo que a realidade, em nós, ainda consente representar.
Alexandre Braga
16/11/2025

