Escolhemos livremente ficar dentro ou fora das histórias? Um olhar para o “THE WONDER” (2022), de Sebastián Lelio.
Este texto não sabe bem por que existe nem o que pretende: nem a tarefa de contar uma história apreendida através de um filme, nem a tarefa de especular sobre ideias autorais de uma escritora ou de um realizador.
Mas está aqui. E talvez faça um pouco de cada coisa…
Surgiu pelo encantamento de uma mensagem subliminar… mas estamos num mundo de histórias onde o que é mais subliminar, o que causa-nos mais estranheza, é precisamente aquilo que nos atira mais violentamente para dentro das histórias. Um ‘gameplot’: um jogo que, quase sempre, queremos jogar.
O filme começa assim: um estúdio cinematográfico, uma voz que narra:
(V.O.:)
Este é o início.
O início de um filme chamado ‘The Wonder’.
As pessoas que você vai agora conhecer, as personagens, acreditam nas histórias delas com total devoção.
Não somos nada sem histórias.
Por isso convidamos-vos a acreditar nesta.
Após a entrada da câmara num dos cenários, e do enquadramento mergulhar completamente na verossimilhança da representação de uma realidade em seu próprio zeitgeist, estamos dentro da história… como se fosse feito um ‘click’, de encaixe, de uma coisa na outra.
A história é sobre uma menina que está prestes a ser vítima de uma história, contada pela família para a comunidade.
Ela morrerá nos próximos meses se continuar dentro desta história.
Um dia, surge uma personagem (jornalista, experiente contador de histórias) que oferece a menina um taumatrópio: um brinquedo da era vitoriana que se tornou um dos dispositivos do pré-cinema. Duas cordas torcidas presas a um disco de papel onde dois desenhos, um em cada lado, fundem-se num desenho só, graças à persistência da visão e a torção das mesmas cordas que coloca as duas imagens em movimento.
(Aqui, com frames estáticos, é completamente impossível mostrar o que vemos no filme: o pássaro preso na gaiola)
Ela pergunta:
- Está preso ou está livre.
Ele responde:
- Esta decisão é tua.
Ela, a perceber a forma de funcionamento no dispositivo, onde com as imagens em movimento provocadas pelas torções das cordas mostram sempre o pássaro dentro da gaiola, e somente nas pausas da torção mostram a gaiola vazia ou o pássaro livre, balbucia em tom de brincadeira e enquanto decide o que quer ver:
- Dentro.
- Fora.
- Dentro.
- Fora.
O filme, vai terminar mais tarde, com o mesmo príncípio do início: saímos de uma cena filmada num cenário para a imensidão do estúdio cinematográfico.
Terminamos com um plano médio da fonte da narração da história (uma personagem que já se apresentou ao espectador à meio do filme, com um potente olhar para a câmara…)
Ela balbucia as mesmas palavras da menina:
(V.I. balbuciado:)
- Dentro.
- Fora.
- Dentro.
- Fora.
Escolhemos livremente ficar dentro ou fora das histórias?
Ainda somos livres suficientes para escolhermos ficar dentro ou fora das histórias?
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