PETER BROOK e o seu ‘Mahabharata’

Peter Brook (1925-2022) foi encenador, dramaturgo, realizador e idealizador de obras narrativas de vários e diferentes formatos que tiveram uma enorme influência em todo o mundo. Inspirador, criador das suas próprias regras no cinema, teatro e ópera, é respeitado, criticado e admirado. Inglês, começa a sua carreira com as célebres encenações dos textos de Shakespeare na Royal Shakespeare Company, prossegue com trabalhos notáveis através de textos de Jean Cocteau ou Jean-Paul Sartre entre outros, até à realização dos seus primeiros filmes. Mais tarde, Brook muda-se para França, onde dirige até 2008 o Centro Internacional de Criação Teatral no Théâtre des Bouffes du Nord, em Paris: um trabalho de investigação das artes do palco com mais de 35 anos. Na escrita, é conhecido por qualquer encenador, dramaturgo ou ator, através de O ESPAÇO VAZIO, que foi o primeiro livro que escreveu sobre teatro (1968).

A sua relação com o ‘Mahabharata’ é complexa e apaixonada.
Esta obra épica clássica está relacionada com a tradição oral da Índia e que remonta há mais de 5.000 anos. É monumental, com mais de 74 000 versos em sânscrito, e mais de 1,8 milhões de palavras; sendo que se o ‘Harivamsa’ for incluído como sendo anexo e parte da obra, chega-se a um total de 90 000 versos, compondo o maior volume de texto numa única obra humana.
Está contido neste poema, o famoso ‘Bhagavad Gita’: obra essencial do conhecimento védico e sagrado da Índia e um dos maiores clássicos da filosofia perene e da espiritualidade do mundo, influenciando inúmeros movimentos espiritualistas.

Em meados da década de 1970, Brook, com o escritor Jean-Claude Carrière, começam a trabalhar na adaptação do poema épico indiano em uma peça de teatro, que foi apresentada pela primeira vez em 1985, no 39º Festival de Avignon: com a duração de nove horas, contou com um elenco de 21 atores de 16 países, além de um grupo de músicos. Era intenção de Brook que as personagens não fossem indianas ou somente asiáticas e sim, que representassem fenótipos de todas as nações do mundo.
Foi encenado em uma pedreira de calcário aberta naquela cidade francesa, às margens do rio Rhône.
Brook, com referências de Artaud e Brecht, trabalha num cenário minimalista se utilizando muitas vezes do efeito geral sobre o ‘estranhamento por distanciamento’: aqui, dar acesso a memória mítica que pode realmente ser a forte rutura da realidade envolvente e que, também pode ser alcançada pela diferenciação e pelo dispositivo de estranhamento desfamiliarizante (o conceito de 'ostranenie', desenvolvido por Escola Formalista Russa). Mas nos métodos teatrais de Peter Brook, o aparato distanciador pode não funcionar necessariamente em termos brechtianos de alienação.
A peça, controversa e polémica, para além de maravilhar muitos, teve fortes críticas.
Num longo artigo em 1985, The New York Times observou "aclamação esmagadora da crítica", e que a peça "não fez nada menos do que tentar transformar o mito hindu em arte universalizada, acessível a qualquer cultura". No entanto, muitos estudiosos pós-coloniais desafiaram a alegação de universalismo, acusando o jogo de orientalismo. Gautam Dasgupta escreveu que "o Mahabharata de Brook fica aquém da indianidade essencial do épico, encenando predominantemente seus principais incidentes e falhando em enfatizar adequadamente seus preceitos filosóficos coincidentes."
Como também descreve Deb Kamal Ganguly em seu importante artigo: “Peter Brook's The Mahabharata: A Document of Cultural Encounter”:

'O Mahabharata' do renomado diretor de teatro inglês baseado em Paris, Peter Brook, criou um debate cultural relacionado ao multiculturalismo, apropriação do patrimônio cultural do 'terceiro mundo' para o 'mercado ocidental', deturpação cultural, etc… Com o passar das décadas, debates inconclusivos foram deslocados do palco principal do discurso da cultura e poder, especialmente depois que o fenômeno da 'globalização' mapeou a sua entrada esmagadora desde 1990. O arsenal teórico do pós-colonialismo teve que abordar um cenário cultural volátil, de espaços aparentemente bem definidos de transgressões culturais no período da pré-globalização.


Acreditando Brook, na ideia de que o ‘Mahabharata’ não pertencia a nenhum país, raça ou religião e que o seu conhecimento deveria ser disseminado por todo o mundo, este avança para a construção da mesma narrativa para uma linguagem fílmica e audiovisual, pensando na forte potencialidade de difusão da televisão e, também do cinema.
Em 1989, o filme com quase seis das nove horas da peça original é exibido e acolhido com uma ovação de mais de vinte minutos no Festival de Veneza deste mesmo ano. Também é exibido em diversos canais de televisão em todo mundo dividido em três episódios. (No mesmo formato que iremos exibí-lo na PROSA, em setembro.)
Em 1990, o filme ganhou o International Emmy Awards e o Prêmio do Público de Melhor Longa-Metragem no Festival Internacional de Cinema de São Paulo.

Em 2015, Brook ainda retornou ao mundo do Mahabharata com uma nova produção: “Battlefield”, em colaboração com Jean-Claude Carrière e Marie-Hélène Estienne.

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“COM QUE LORCA DANCEI” Publicação Jornal ‘I’ Online

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