Nós e a Sala de Cinema (I)

“O escuro era um elemento, não necessário (como se vê nas projeções das publicidades) mas tônico para a participação. A obscuridade foi organizada, isolando o espectador, “empacotando-o de escuro” como diz Epstein, dissolvendo suas resistências diurnas e acentuando todo o fascínio das sombras.
Falou-se em estado hipnótico, talvez um estado similar (...)
O espectador fica isolado, mas no centro de um ambiente humano, de uma gelatina, de uma alma comum, de uma participação coletiva que amplia também sua participação individual. Estar ao mesmo tempo isolado e em grupo: duas condições contraditórias e complementares, favoráveis à sugestão. A televisão, em casa, não se beneficia desta enorme caixa de ressonância; ela funciona em ambiente claro, em meio de objetos práticos, entre indivíduos cujo número dificilmente formam um grupo (…)
O espectador das “salas escuras”, ao contrário, é um sujeito passivo em estado puro. Ele não pode fazer nada, nem oferecer nada, nem sequer um aplauso.
Passivamente, ele passa o momento. Subjugado, ele sofre o momento e, de repente, tudo acontece dentro dele, em sua cinestesia psíquica, se podemos assim dizer. Quando os poderes das sombras e do duplo se fundem numa tela branca, numa sala obscurecida, para aquele espectador afundado em seu alvéolo, em sua mônada fechada para tudo, menos para a tela, envolvido na dupla placenta, a de uma comunidade anônima e a da escuridão. Quando os canais da ação são fechados, abre,-se as eclusas do mito, do sonho e da magia.”
(MORIN, 1970: Pg.122)


Edgar Morin in “O Cinema ou o Homem Imaginário”, com primeira edição de 1956.

Imagem: Edward Hopper, New York Movie, 1939, Museum of Modern Art, New York, NY, USA.

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