Encontros e desencontros com o outro e com o si mesmo: uma breve análise de "Brief Encounter" de David Lean
"Brief Encounter" (Breve Encontro - PT), realizado por David Lean, é uma obra-prima do cinema britânico, à frente do seu tempo, que cativa o público desde o seu lançamento em 1945. Neste filme, Lean tece uma história emocionalmente profunda e complexa, centrada num encontro casual que se transforma numa paixão avassaladora e proibida. Mas também na articulação de um pensamento subjetivo, pouco comum de se ver nas representações cinematográficas desta época.
A estrutura narrativa de "Brief Encounter" é habilmente construída, explorando os aspetos de tempo e espaço para aprofundar a tensão emocional das personagens principais. A história é contada em forma de flashback, à medida que Laura (interpretada de forma brilhante por Celia Johnson) narra os eventos que levaram ao seu encontro com Alec (interpretado por Trevor Howard). E tudo acontece com o motor narrativo e simbólico do ambiente 'estação de comboio' habilmente utilizado como metalepse: as estações (e suas paragens) como pontos de reflexão no timeline 'veloz' da vida quotidiana.
A trama desenrola-se numa época de restrições sociais e morais, em plena Segunda Guerra Mundial (sem mencioná-la textual ou visualmente). As personagens são motivadas pelas suas responsabilidades familiares e compromissos pré-existentes, o que cria um conflito entre os seus desejos e deveres. O filme captura a intensidade da paixão e o dilema moral que as personagens enfrentam, retratando de maneira sensível as restrições impostas pela sociedade e pelas convenções da época.
Uma das sequências de cenas mais memoráveis e belas do filme (e da história do cinema) é a cena de evasão súbita de Laura, que revisita uma ação diegética anterior. Após algo que não sabemos ser o desfecho entre Laura e Alec, Laura sai por uma porta do café, numa evolução emocional densa, para 'respirar novos ares' na estação de comboios. Isto acontece ainda no início do filme. Próximo da resolução, esta cena literalmente repete-se, filmada de outro ponto de vista, e acompanhamos desta vez a personagem até à saída pela mesma porta, junto da linha do comboio. Ficamos perante algo que, para além da sua própria carga imagética e simbólica, é trabalho articulado de um cinema potente e magistralmente pensado. Essa técnica de revisitar uma cena anterior para ressoar na conclusão de uma história pode ser considerada inovadora e significativa na história do cinema. Ao fazê-lo, Lean cria uma sensação de circularidade e completude, ressaltando a profundidade do impacto que esse encontro breve teve na vida de Laura e Alec. Uma articulação de linguagem desta arte que ainda aprende e evolui consigo própria. Linguagem que continuará a sua evolução mais frequente e evidente no cinema contemporâneo.
Além da estrutura narrativa e da história complexa, "Brief Encounter" também é uma obra visualmente deslumbrante. A direção de fotografia de Robert Krasker usa o preto e branco de maneira brilhante, capturando a melancolia e a atmosfera romântica do filme. A cena final, em particular, é uma composição visualmente impressionante, com a fumaça do comboio criando uma aura poética em torno de Laura, enquanto ela reflete sobre o seu encontro breve e intenso.
"Brief Encounter" é um filme de uma riqueza emocional e estética notável. David Lean habilmente tece uma narrativa complexa, explorando os desejos, deveres e dilemas morais das suas personagens num contexto histórico específico. A cena final, com a sua revisitação sutil e tocante, é um exemplo de genialidade cinematográfica que adiciona um elemento de profundidade à história. Este filme continua a ser uma referência essencial no cinema, demonstrando a beleza e o poder da sétima arte para explorar a condição humana.