Somos edifícios que colapsam
Às vezes a vida nos coloca dentro de edifícios, altos, arranha-céus que desabam conosco dentro e não há para onde correr.
O chão treme, as paredes racham, e ainda assim precisamos permanecer inteiros... reconstruindo-nos por dentro.
Não quebramos ossos ou morremos, mas somos atravessados por abalos invisíveis, aqueles que só o coração conhece.
Conhecemos nossos excessos, nossas falhas, nossas lacunas e dialogamos quase que diariamente com tudo isso que nos invade.
Mas conhecer não basta.
É preciso agir... agir para preencher o que falta, para suavizar o que sobra, para enfrentar as nossas sombras, sem desviar o olhar.
Todos carregamos fissuras, fossos internos, reconstruções silenciosas. Todos guardamos conversas inacabadas conosco mesmos. O autoconhecimento é a porta, mas só a ação nos permite atravessá-la; é na ação que a cura se inicia... é no movimento que a restauração se torna possível.
E é nesse espaço de ruínas internas que nasce a arte da reconstrução.
Como no ‘kintsugi’, a antiga técnica japonesa que une fragmentos de cerâmica com pó de ouro, nossas cicatrizes podem ser iluminadas, transformadas em desenhos únicos. A dor não é apagada, mas transfigurada em beleza. Preenchemos a nossa fissura com material precioso que reluz.
A arte, seja no cinema, na música, na escrita ou em qualquer forma de expressão, é um desses lugares onde nossas fissuras encontram ouro, voz.
Quando transformamos dor em criação, transcendemos o silêncio e damos às nossas camadas, do reboco à estrutura, a chance de dialogar com o mundo.
Tudo o que carregamos, todas as camadas inscritas em nós, não são apenas fruto de nossas escolhas conscientes: há memórias que atravessam gerações, traços que vêm da epigenética, marcas do coletivo que moldam nosso corpo e nossa mente.
Por isso a consciência se torna fundamental estar presente, observar nossos pensamentos, emoções, ações, e perceber como somos influenciados, e ao mesmo tempo agir sobre isso.
A consciência nos dá a possibilidade de reescrever, de transcender, de curar.
E quando essa presença se estende ao coletivo, quando reconhecemos que também somos responsáveis uns pelos outros, nasce a força de uma transformação mais ampla, mais profunda, mais verdadeira.
Cada camada... cada falha... cada fissura se torna parte da obra maior que somos nós.
Crescer... transcender... avançar... é aceitar que não precisamos ser perfeitos para sermos inteiros... basta sermos verdadeiros... e tratar com a ação humana, e pintar de dourado as partes onde antes só havia rachas, fissuras que também são abismos.
Assim seguimos: múltiplos, fragmentados, luminosos.
Sempre em reconstrução.
Sempre em ascensão.

