O ciclo de cinema "Uma Criança nas Cidades", quer explorar através de uma jornada cinematográfica, a complexidade e a inocência da infância em meio a um cenário urbano, por vezes hostil, por vezes curioso e surpreendente. Nesta seleção, queremos que mergulhem connosco nas histórias de descoberta, amadurecimento e conexão das crianças à caminho da sua maturidade momentânea através dos filmes "Alice nas Cidades", uma obra icônica de Wim Wenders que nos leva numa viagem de autodescoberta pela Alemanha, e "C'mon C'mon", a mais recente obra de Mike Mills, que nos convida a refletir sobre os laços familiares e a beleza dos momentos simples quando somos criança.

Muitos dos filmes de Wim Wenders são movidos por uma procura, quase sempre sem um nome. Em “Alice nas Cidades”, uma menina de 9 anos e um homem, Philip, que de repente ficou com a responsabilidade de tomar conta dela, procuram a casa da avó de Alice.
Essa procura de uma casa pode ser uma metáfora da procura da casa que temos dentro de nós, a nossa identidade. Philip teve dúvidas sobre ela quando andou à procura de outra identidade, do lado de lá do Atlântico.

Alice, como todas as crianças, está sempre em viagem, ou seja, em descoberta, pois quase tudo é ainda novo para ela. É o seu modo de olhar – aberto, sem interpretar, sem “geografar” – que faz Philip ver as coisas de modo diferente. Então, o que parecia marginal, irrelevante, pode saltar para o centro. Ele deixa de fotografar – essa vã procura de fixar o real. A sua nova máquina fotográfica são os olhos de Alice.

“Alice nas Cidades” é uma deriva de olhos abertos, que ensina a acolher os desvios. Então, esses desvios podem ser recomeços, ou seja, reconfigurações das nossas perspetivas perante a realidade. Só mesmo as crianças, no seu estado permanente de começo, nos podem recordar isso.

No encantador “C’mon C’mon” de Mike Mills, Johnny (Phoenix) é um jornalista e produtor de áudio que pergunta a inúmeras crianças o que pensam sobre o futuro e suas comunidades. Alguns estão com medo, alguns estão esperançosos, alguns querem que o mundo se dê bem, outros apenas querem que o mundo os veja como eles são. Os espectadores colocam-se inevitavelmente num ambiente reflexivo, mas como a maioria dos adultos, Johnny está apenas tentando sobreviver ao longo do dia: fazendo malabarismos com várias tarefas, interrompendo crises antes que piorem ou apenas tentando ajudar outra pessoa necessitada, até que ele encontra uma criança curiosa com seu próprio conjunto de perguntas.

Johnny ajuda sua irmã semi-afastada Viv quando ela precisa ir ao norte da Califórnia para ajudar seu marido doente mental, Paul, a procurar tratamento. Um passado compartilhado de dor e palavras que eles não podiam retirar separou os dois irmãos após a morte da mãe. Agora, Viv pede a Johnny que cuide de seu filho precoce, Jesse, em Los Angeles. Colocado no papel de cuidador em tempo integral de seu sobrinho, Johnny ganha uma nova apreciação do mundo, de como é difícil ser pai e dos muitos momentos de alegria e frustração que isso acarreta.

Enfim, as verdadeiras narrativas motrizes de nossas histórias são as pessoas em nossas vidas: aqueles que amamos, aqueles com quem discutimos, aqueles contra quem nos rebelamos, aqueles que decepcionamos e aqueles a quem recorremos em busca de conforto.
As crianças e suas descobertas pareceram-nos o mote perfeito para, pela primeira vez em ciclo, colocarmos dois filmes: um inspirado no outro, um diante do outro para que nós, nas nossas conversas pós-filme possamos elaborar relações e efabulações que nos ajudarão a ‘continuar a crescer’ com mais sabedoria.

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