PENSO LOGO ESCREVO é o nome da oficina de Escrita Criativa que a PROSA propõe como espaço de escuta interior e criação de ficção, partindo de um olhar para a narratologia e para a representação do real. Trata-se de exercitar uma escrita que nos ponha em contacto com o ‘si próprio’ — esse ser que ora se revela em nós, ora no outro —, construindo linguagem como quem constrói um lugar. Escrever é um gesto de busca, uma procura do ser. Um ato liberto que, para além de aprimorar competências comunicativas, se apresenta como um instrumento de cuidado, de resistência e de reinvenção de si mesmo. Num mundo cada vez mais exigente em criatividade, escrever é também uma forma de subsistência — emocional, simbólica e, por vezes, física.

A escrita, neste contexto, aproxima-se do corpo e do tempo como matéria sensível. É um exercício muscular, feito de fluxo, hesitação e impulso. Escrever é entrar num ritmo, num traço, numa pulsação que nos inscreve no mundo com identidade, com poesia, com memória. E cada pessoa encontrará o seu caminho: seja através de um diário íntimo, de uma ficção elaborada, de uma carta nunca enviada, de um poema abrupto ou de uma ideia em construção. A oficina convida a este gesto inaugural e libertador de começar. De reescrever-se.

Entre a escrita e o cinema existe uma conversa constante, por vezes silenciosa, por vezes explosiva. Ambas as linguagens operam montagens do real, criando sentidos e fabulações. Ambas trabalham com estruturas narrativas, imagens e personagens. O cinema pode ser visto como um prolongamento visual da escrita — ou a escrita como o seu esboço primordial. Quando um filme se aproxima da escrita não apenas como conteúdo, mas como forma, algo de fascinante acontece: a linguagem torna-se visível, o texto adquire corpo, e o corpo torna-se texto.

O Ciclo PENSO LOGO ESCREVO III traz-nos The Shipping News (2001), de Lasse Hallström: uma obra sobre a difícil arte de reescrever a própria vida.
Baseado no romance de E. Annie Proulx, o filme acompanha um homem fragilizado que regressa às raízes da sua família em Newfoundland, encontrando no jornalismo e na comunidade local a possibilidade de se reinventar. O realizador sueco, que já nos tinha tocado profundamente em My Life as a Dog (Mitt liv som hund, 1985), volta aqui a construir um cinema intimista, de grandes silêncios e emoções discretas, que transforma o quotidiano em matéria de poesia.

A casa ancorada junto ao mar — imagem de uma estrutura pesada, presa contra as tempestades — torna-se metáfora de tudo aquilo que carregamos sem conseguir devolver ao universo: memórias, dores, perdas. Ao mesmo tempo, é também o ponto de partida para o gesto da escrita, como quem finca palavras na página para que o vento não as leve. A banda sonora, de uma beleza inspiradora, reforça esse movimento interior entre naufrágio e renascimento, entre a solidão e a partilha.

Mas esta reescrita só se cumpre na relação com os outros. É no convívio, no acolhimento da comunidade e no encontro com histórias alheias que o protagonista encontra finalmente espaço para se reconstruir. The Shipping News mostra-nos que escrever não é apenas ordenar o caos íntimo: é também inscrever-se num mundo comum, ancorar-se nos outros, aceitar que só através da partilha a vida encontra o seu verdadeiro lugar. Mais do que um drama sobre recomeços, o filme torna-se uma reflexão sobre a escrita como prática de ser-no-mundo, uma forma de transformar a vulnerabilidade em pertença.

(Curadoria de Alexandre Braga)


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PENSO LOGO ESCREVO (I THINK, THEREFORE I WRITE) is the name of the Creative Writing Workshop proposed by PROSA as a space for inner listening and the creation of fiction, starting from a focus on narratology and the representation of reality. It is an invitation to practice a form of writing that puts us in touch with the ‘self’ — that being who sometimes reveals itself within us, sometimes in the other — building language as one would build a place. Writing is a gesture of search, a quest for being. A liberated act that, beyond enhancing communication skills, stands as a tool for care, resistance, and self-reinvention. In a world increasingly demanding of creativity, writing also becomes a means of survival — emotional, symbolic, and at times, physical.

In this context, writing comes closer to the body and to time as sensitive matter. It is a muscular exercise, made of flow, hesitation, and impulse. To write is to enter a rhythm, a stroke, a pulse that inscribes us into the world with identity, with poetry, with memory. And each person will find their own way: through an intimate journal, an elaborate fiction, an unsent letter, an abrupt poem, or an idea in the making. The workshop invites this inaugural and liberating gesture: to begin. To rewrite oneself.

There is an ongoing dialogue between writing and cinema — sometimes silent, sometimes explosive. Both languages operate as assemblages of reality, creating meanings and fabulations. Both work with narrative structures, images, and characters. Cinema can be seen as a visual extension of writing — or writing as its primordial sketch. When a film approaches writing not only as content, but also as form, something fascinating happens: language becomes visible, the text gains a body, and the body becomes text.

I THINK, THEREFORE I WRITE III Cinema Screenings bring us The Shipping News (2001), directed by Lasse Hallström, is a film about the difficult art of rewriting one’s own life. Based on the novel by E. Annie Proulx, it follows a fragile man who returns with his young daughter to his ancestral roots in Newfoundland, where journalism and the local community open a path to reinvention. The Swedish director, who had already moved us deeply with My Life as a Dog (Mitt liv som hund, 1985), once again reveals his gift for intimate cinema, where silence and discreet emotions transform the everyday into poetry.

The anchored house by the sea — a structure weighed down, held fast against storms — becomes a metaphor for everything we carry without knowing how to release back to the universe: memories, sorrows, losses. At the same time, it stands as a starting point for the act of writing, as if pinning words to the page so the wind cannot scatter them. The soundtrack, both delicate and inspiring, intensifies this inner movement between shipwreck and rebirth, solitude and belonging.

Yet this rewriting can only be fulfilled in relation to others. It is through community, through the warmth of human encounter and the sharing of stories, that the protagonist finds room to rebuild himself. The Shipping News shows us that writing is not just a way of ordering inner chaos: it is also a way of inscribing oneself in a common world, of anchoring in others, of discovering that only through sharing does life find its true place. More than a drama about new beginnings, the film becomes a reflection on writing as a practice of being-in-the-world, transforming vulnerability into belonging.

(Curatorship of Alexandre Braga)