Ver IN THE MOOD FOR LOVE (2001) e 2046 (2004) lado a lado é como abrir uma janela dupla sobre a mesma paisagem, o mesmo coração.
O primeiro, clássico, filme de beleza incontornável e consagrado, observa o amor que não se realiza.
O segundo observa o que acontece depois, quando a ausência se torna memória e a memória se transforma em uma missão/obsessão.

Entre os dois, Wong Kar-Wai constrói uma das mais delicadas meditações sobre o tempo, o desejo e a persistência do sentir: em IN THE MOOD FOR LOVE, duas personagens descobrem a infidelidade dos seus companheiros e decidem não repetir o erro.
O gesto ético — a escolha de não ferir — transforma o filme numa das obras mais belas sobre a paciência, a empatia e a dignidade dos afetos.
Cada plano parece respirar a lentidão da espera, e o amor, contido, torna-se forma de resistência num mundo que não sabe mais esperar.

Quatro anos depois, 2046 prolonga esse eco.
Chow, agora escritor, tenta reinventar o passado através da ficção — um comboio que parte para o ano 2046, onde nada muda, onde se pode reviver o que foi perdido.
Mas o tempo não volta: ele dobra-se, repete-se, e as sombras de IN THE MOOD FOR LOVE reaparecem em novas figuras e rostos.
O amor torna-se então um labirinto de lembranças, e a escrita, um modo de sobreviver àquilo que o tempo apagou.

Ambos os filmes são também um retrato da transição histórica de Hong Kong, marcada pelo regresso à China — um pano de fundo que impregna o cinema de Wong Kar-Wai de melancolia e deslocamento.
Entre a modernidade e o exílio, entre o amor e o esquecimento, o cineasta cria uma geografia do tempo interior, onde cada gesto é memória e cada silêncio é promessa.

O Ciclo O TEMPO ENTRE NÓS propõe, assim, uma travessia: duas noites de cinema que nos lembram que amar, esperar e recordar são formas de permanecer — mesmo quando o mundo parece querer apagar o que fomos.

(Curadoria de Alexandre Braga)


_ENG

Watching IN THE MOOD FOR LOVE (2001) and 2046 (2004) side by side is like opening a double window onto the same landscape, the same heart.
The first — a classic, an undisputed masterpiece of beauty — observes a love that never fulfils itself.
The second looks at what happens afterwards, when absence turns into memory, and memory becomes a mission, or an obsession.

Between the two, Wong Kar-Wai builds one of the most delicate meditations on time, desire, and the persistence of feeling.
In IN THE MOOD FOR LOVE, two characters discover their partners’ infidelity and decide not to repeat the mistake.
That ethical gesture — the choice not to wound — transforms the film into one of the most beautiful works about patience, empathy, and the dignity of emotion.
Each frame seems to breathe the slowness of waiting, and love, contained, becomes a form of resistance in a world that no longer knows how to wait.

Four years later, 2046 extends that echo.
Chow, now a writer, tries to reinvent the past through fiction — a train departing for the year 2046, where nothing ever changes, where one can relive what was lost.
But time does not return: it folds, it repeats, and the shadows of IN THE MOOD FOR LOVE reappear in new faces and forms.
Love then becomes a labyrinth of remembrance, and writing, a way to survive what time has erased.

Both films are also a portrait of Hong Kong’s historical transition, marked by its return to China — a backdrop that imbues Wong Kar-Wai’s cinema with melancholy and displacement.
Between modernity and exile, between love and forgetting, the filmmaker creates a geography of inner time, where every gesture is memory and every silence is a promise.

THE TIME WITHIN US Cinema Screenings invites us on this journey: two nights of cinema that remind us that to love, to wait, and to remember are all ways of remaining — even when the world seems intent on erasing what we once were.

(Curatorship by Alexandre Braga)