Se o amor fosse um palíndromo, seria simétrico, previsível e, talvez, confortável.
Mas não o é.

Este ciclo de cinema apresenta uma reflexão profunda sobre as assimetrias do amor, os desencontros entre dois seres e os diferentes pontos de vista que surgem na tentativa de compreender uma relação. Em “The Disappearance of Eleanor Rigby”, o realizador Ned Benson leva-nos por um percurso cinematográfico ousado, dividido em duas versões: cada uma para cada ponto de vista deste casal protagonista. Ao explorar os olhares distintos de um homem e de uma mulher sobre a mesma história, o filme questiona as noções de complementaridade e harmonia frequentemente associadas ao amor.

No ocidente, fomos moldados por séculos de construções sociais e institucionais que atribuíram papéis específicos a cada género. Homens e mulheres
foram formatados com objetivos e princípios profundamente diferentes, muitas vezes inconciliáveis. Este projeto civilizacional, que pretendia criar uma simbiose perfeita entre os géneros, falhou redondamente. “The Disappearance of Eleanor Rigby: Him” e “The Disappearance of Eleanor Rigby: Her” refletem precisamente essa falha, expondo não só as diferenças de perspetiva, mas também as complexidades emocionais e psicológicas de cada protagonista. Aqui, o amor não é um espaço de complementaridade, mas sim um território de interpretações divergentes.

A proposta deste ciclo é mais do que apenas assistir a filmes; trata-se de levar a análise cinematográfica ao seu limite. Pela primeira vez, apresentamos duas obras como um único objeto artístico, convidando o público a comparar e a desvendar as nuances de cada narrativa. A beleza desta experiência reside na capacidade do cinema de mostrar pontos de vista, de nos colocar simultaneamente dentro e fora das personagens. E é essa dualidade — visual, antropológica e filosófica — que torna “The Disappearance of Eleanor Rigby: Him” + “Her” uma experiência singular.

Esta abordagem dupla oferece uma oportunidade única de reflexão. Como espectador, somos desafiados a confrontar os nossos próprios preconceitos, a reavaliar aquilo que tomamos como certo sobre as relações humanas. Estes filmes de Ned Benson não nos dá respostas, mas sim perguntas: Como é que duas pessoas podem viver a mesma história de formas tão distintas? O que nos separa e, ao mesmo tempo, nos liga na tentativa de compreender o outro?

“O Amor Não é um Palíndromo” convida-nos a abraçar a imperfeição, a reconhecer que não há uma solução universal para os enigmas das relações humanas. E é precisamente nesse desencontro, nessa falta de simetria, que reside a beleza do cinema e da vida. Este ciclo não é apenas sobre o que vemos na tela, mas sobre o que levamos connosco depois da projeção: uma nova perceção do outro e, talvez, de nós mesmos.

(Curadoria de Alexandre Braga)