Cinema PROSA

Ciclo
FELICIDADE ESCONDIDA

HIDDEN HAPPINESS Screenings

Uma vez, li num artigo sobre o lançamento do livro de Fernando Savater: “O Conteúdo da Felicidade” (2018) a seguinte frase:
”A Felicidade está escondida na sala de espera da felicidade…”
Fez-me lembrar de outra frase do escritor francês Jules Renard:
”Se se construísse a casa da felicidade, a maior divisão seria a sala de espera.”

Esta ideia, de certa forma, esfumaçada da felicidade está muito presente nestes dois filmes.
Ela surge… e se a agarramos… quanto mais força fizermos mais sangramos…

Deixo aqui partes da introdução do livro deste filósofo espanhol:

“Sobre a felicidade a única coisa que conhecemos ao certo é a vastidão da sua procura. Nisso reside precisamente o que de subversivo pode ter o termo, pois, de resto, é tontice de cançoneta ou engano de padres. A felicidade como anseio é assim, radicalmente, um projeto de inconformismo: nada do que nos é oferecido pode bastar. Trata‑se do mais arrogante dos ideais, pois assume descaradamente que acusá‑lo de «impossível» é nada dizer contra ele. Impossível, mas imprescindível: irredutível. (…) Não somos capazes de defini‑la, não a confundimos com nenhum dos sucedâneos que pretendem substituí‑la; mas supomos que seríamos capazes de a reconhecer se finalmente nos acontecesse. O que, no mínimo, não parece certo. Talvez o que se passe com a felicidade é que somos incompatíveis com ela. Felicidade é aquilo que brilha onde eu não estou, ou ainda não estou ou já não estou. Para ser feliz teria de me separar do meu eu. E, contudo, é o eu o que quer ser feliz, mesmo que não se atreva a proclamá‑lo aos gritos nas ruas do mundo, mesmo que finja resignação ou acomodação à simples sobrevivência, quer dizer, à obrigação da morte. Dizer «quero ser feliz» é uma ingenuidade ou algo de ridículo, exceto quando se trata de um desafio, de uma declaração de independência, de uma forma de proclamar: «Afinal de contas, não vos devo nada.» Quando deixa de ser um engodo ou uma reconciliação piedosa, a felicidade — por inacessível, por incessantemente furtada — começa a libertar. Por isso é que o «direito à felicidade» deita tudo a perder. Pode haver direito a tudo menos a ela; trata‑se do contrário daquilo que se consegue ou recebe como cumprimento de um direito. Talvez se possa legitimamente dizer que tenho direito a ser infeliz a meu modo ou — seguindo o Tolstoi do começo de Anna Karénina — que tenho direito à minha própria história. Tal é o princípio da minha aceitação e recusa da coletividade, pois o meu estilo de felicidade encontra‑se necessariamente mediado por muitas outras tentativas semelhantes, ainda que profundamente diferentes da minha. Tenho, sim, direito à administração da minha infelicidade — ou melhor, sim, há direito —; mas não existe nada de semelhante a um «direito à felicidade». Ela não resulta de uma convenção nem está garantida por uma instituição superior a que por isso seja necessário submeter prudente demanda judicial. Também não poderia adquiri‑la de modo nenhum, mesmo que, em contrapartida, distinga quais as minhas ações que contribuem para provocar o seu afastamento: e são demasiadas. Kant disse que o importante — quer dizer, aquilo que nos diz respeito enquanto propósito atual — não é a felicidade, mas «ser digno da felicidade». Ser digno da felicidade não é ter direito a ela nem ser capaz de a conquistar de algum modo (recordemos aquele título beato do bom do Bertie Russell: A Conquista da Felicidade), mas tentar apagar ou dissolver aquilo que no nosso eu é obstáculo à felicidade, aquilo que acaba por ser radicalmente incompatível com ela. Segundo Kant, as opacidades do eu bloqueadoras da transparência feliz seriam as contingências que não correspondem ao puro respeito à lei da nossa liberdade racional; diferentemente, Schopenhauer e os budistas supuseram, como já foi insinuado, que é o próprio eu que nos torna indignos da felicidade. Borges escreveu numa dada ocasião que o dragão é uma figura que contagia irremediavelmente de puerilidade as histórias em que aparece, e já há algum tempo que me permiti parafraseá‑lo afirmando que também a palavra felicidade pode rebaixar um tanto a maturidade ou a verosimilhança das iniciativas teóricas em que é incluída. Devo acrescentar agora que o meu interesse pelos dragões e pela felicidade resulta precisamente dessa circunstância aparentemente derrogatória. Mas compreendo muito bem aquilo que devia sentir a personagem de Heinrich Böll quando expressava o seu enfado do seguinte modo: «Nos filmes de divórcio e adultério, a felicidade de alguém desempenha sempre um grande papel. “Faz‑me feliz, querido”, ou “Queres ser um obstáculo à minha felicidade?” Por felicidade não consigo entender nada que dure mais de um segundo, ou quando muito dois ou três» (…) A felicidade seria o télos último do desejo, esse mítico objetivo que uma vez alcançado imobilizaria em satisfeita plenitude a função desejante. Ao dizer «quero ser feliz», afirmo na realidade «quero ser». Ou seja, unir definitivamente o em si e o para si, superar o enigma hegeliano segundo o qual o homem «não é o que é e é o que não é».


Fernando Savater: “O Conteúdo da Felicidade” (2018)


”HAPPINESS”  1998 | 2h14’ | M/18 (Felicidade - PT)
De Todd Solondz
Sexta Dia 12/05 às 19h30

As vidas de vários indivíduos se entrelaçam à medida que vivem suas vidas de maneiras únicas, envolvendo-se em atos que a sociedade como um todo pode achar perturbadores em uma busca desesperada por conexão humana.


”MAGNOLIA” 1999 | 3h08’ | M/16
De Paul Thomas Anderson
Sábado Dia 13/05 às 19h30  

Um mosaico épico de personagens inter-relacionados em busca de amor, perdão e significado no vale de San Fernando.


Todos os filmes do Cinema PROSA serão exibidos em pixel iluminado (ecrã QLED 65’’) em sala condicionada ao máximo de 24 espectadores.
Preçário

Membros: Entrada livre.
Não-membros: 3€

Trailers aqui: