O ciclo de cinema FAUSTOS surge como uma oportunidade de revisitar, através do cinema, as profundezas de uma das lendas mais icônicas da cultura ocidental: a história de Fausto, o intelectual que faz um pacto com o demônio em busca de conhecimento e poder. Inspirada pela monumental obra de Goethe, mas que também foi visitada originalmente por Spiess e Marlowe e também por Thomas Mann, Pushkin ou Fernando Pessoa, esta programação foca-se em filmes que, embora não apresentem uma adaptação literal da história, exploram temas do mito faustiano — desde a ambição ilimitada e a ética do progresso até a atração pelo desconhecido e pelo sombrio. Com isto, o cinema torna-se um meio poderoso para explorar as tensões que o mito de Fausto encapsula, questionando as consequências de se ultrapassar os limites do humanismo tradicional e a responsabilidade que emerge com o avanço técnico e científico.

A escolha dos filmes “Mephisto” (1981) de István Szabó e “Angel Heart” (1987) de Alan Parker permite revisitar as representações do pacto faustiano de maneira contemporânea e sofisticada. Em "Mephisto," somos confrontados com a metamorfose de um homem que, seduzido pelo poder, abdica de suas convicções e identidade para se conformar aos desígnios de um regime opressivo. Esta obra alude à manipulação e ao domínio do espírito humano sob um prisma político, ecoando a advertência de Goethe sobre o preço a se pagar pela aliança com forças que desafiam os princípios éticos mais básicos. Já "Angel Heart" mergulha-nos num suspense psicológico com toques de horror, em plena New Orleans, onde o protagonista é levado a descobrir que o seu destino está irrevogavelmente ligado ao demônio que jurara servir — uma alegoria sombria sobre os perigos da ambição e da busca pelo absoluto.

O ciclo FAUSTOS propõe uma reflexão crítica sobre como as instituições, temendo a perda de controle, colocaram o mito de Fausto como um aviso moral contra a liberdade intelectual e a inquietação criativa. A origem do mito, como compilado originalmente por Johann Spiess, visava advertir sobre os perigos de ultrapassar os limites estabelecidos pelo conhecimento aceito, uma narrativa reforçada pelas igrejas e instituições para desincentivar o questionamento da ordem. No entanto, desde os primeiros relatos faustianos, o mito evoluiu para questionar os dilemas humanos em contextos complexos e ambivalentes, mostrando que o desejo de conhecimento e o anseio de poder são inseparáveis da condição humana.

Este ciclo, assim, permite que o público observe como o cinema aborda e expande essas narrativas arquetípicas, confrontando o espectador com as facetas mais obscuras do desejo humano e a eterna dualidade entre conhecimento e ética. FAUSTOS não é apenas uma celebração da literatura e do cinema, mas um convite a refletir sobre a eterna inquietação da alma humana que, mesmo diante do progresso, continua a dialogar com seus próprios limites e contradições.

(Curadoria de Alexandre Braga)